Meu Aleph
Certa vez li Jorge Luis Borges, o escritor argentino, falando sobre o Aleph. Em poucas palavras, era um buraco na parede através do qual era possível ver tudo, tudinho, de todos os ângulos. O que a eternidade é para o tempo, o Aleph é para o espaço, dizia. Não entendi direito até me deparar com uma pequena rachadura em uma antiga caixa de joias. Com a mesma curiosidade de quem vê pelo buraco da fechadura, fucei. E descobri o meu Aleph. Entendi o que Borges quis dizer assim que percebi que o mundo todo estava ali. Pelo menos o meu mundo. O buraco não era redondinho (como o de Borges), mas uma espécie de rasgo. Como o mundo todo é muita coisa, a caixinha não aguentou, estourou e me deu este acesso mágico. E assim vi cerveja gelada de garrafa, vi verão com uma andorinha só, vi pessoas que sabem fazer contas na mesma mesa de bar que eu, vi promoção de troca de estação, bijouterias na 25 de março e presente de aniversário. Vi sabiá assobiando, vi o pé com peito preto do Pedro, vi a roupa nova do rei de Roma, vi ninho de mafagafos. Vi Mary Quant de minissaia, vi muitos canais de TV a cabo, ouvi chavões de quinta de programas de humor de sábado, vi a chuva chovendo, vi o sol nascendo, vi a tempestade se formando. Vi a calmaria. Achei o botão “soneca” do despertador, vi edredon para um dia frio e rede numa praia, vi o pente cansado da Maria Bethânia, vi Djavan caetaneando, vi a Geni se limpando, vi roupa ainda com etiqueta e moletom velho, senti cheiro de livro novo e cheiro de shampoo no banheiro, vi meu primeiro sutiã, vi uma sandália de prata sambalançando, vi o Getúlio colocando o pijama, vi Pica-pau na TV, vi música para ouvir alto e música para ouvir bem baixinho com vergonha, vi plástico bolha, vi Karl Lagerfeld sem óculos e Humberto Martins com camisa, vi o homem sério que contava dinheiro, o faroleiro que contava vantagem e a namorada que contava as estrelas, vi a Cinderela na loja de sapatos, vi um pássaro, vi um avião, vi o Super-Homem? Vi o Pateta dançando com a Rainha, vi dinheiro no chão, vi também pegadas, vi a fórmula da Coca-cola, vi a fórmula de báskara, procurei calculadora, não vi calculadora, vi coqueiros balançando, vi o Veríssimo gargalhando. Vi também a preleção da final da Copa de 98 na França – mas estava sem som. Vi Mick Jagger acordando, Madonna passando fio dental e Ana Maria Braga se penteando. Aí vi que era hora de seguir e voltar outra hora.