Tricoteio

...nove o quê? Novelo. A vida é um novelo, vovó?

Vovó conversava pouco, mas falava muito sozinha. E sempre bem baixinho. A TV vivia ligada na Globo enquanto ela tricotava. Novela lá, novelo aqui, parecia nem dar bola para o beijo do Fagundes na Patrícia Pilar, mas ai de quem mudasse de canal.

Eu ficava sentada na almofada tricotada com a cara do Papai Noel para acompanhar a investigação do caso Odete Roitman. E ao mesmo tempo tentava desvendar também os pensamentos da vovó, que eram abafados pela Regina Duarte gritando muito para vender sanduíches na praia.

Ouvir a vovó tricotando sempre foi a minha novela preferida. Ela contava histórias enquanto contava as carreiras e os pontos viravam personagens dessa festa toda. Eles têm nome e tudo, sabia? Ponto waffle, borboleta, areia, espiga, alegro, samambaia, ajour... E tinha até o ponto galã de novela, Mock Granny, que eu imaginava o Tarcísio Meira. Vovó gostava tanto do Tarcísio Meira que criei uma história só para ela ser a mocinha, a bela francesa Ajour.

...nove o quê? Novelo. A vida é um novelo? Eu queria entender como é isso, vovó? Ela esperou o comercial e sussurrou que tudo tudinho está ligado, repare só. Até parece confuso, mas no desenrolar e tricotear a trama ganha sentido. Eu não sabia se tinha entendido direito, mas achei um barato imaginar todas as minhas histórias emaranhadas como a lã que ela tinha nas mãos.

Vovó falava sobre a novela. Mas naquela confusão de cachecóis, agulhas e a cantoria do Magal anunciando a Rainha da Sucata, eu entendi novelo.