Fadas e bolhas de sabão
Quando eu era criança achava que Torraca era o sobrenome daquele ator, o Neyla.
Também achava que a Dona Chica era uma formosa senhora francesa de sobrenome Doberrô. Miau.
E domingo, eu pensava, era dia de ver Pé de Cachimbo (aquele que é de barro e bate no jarro) – e não estranhava uma árvore assim, até achava graça.
No cinema, sempre imaginava estar numa nave espacial.
No trânsito, cumprimentava as pessoas do carro ao lado.
No carnaval podia ser quem eu quisesse. Nos outros dias também. Mulher maravilha, professora, vendedora, top model…
Meu quarto era escritório, casa, loja, restaurante. Às vezes mansão da Barbie. Às vezes esconderijo. E às vezes só um quarto mesmo.
Meu mundo caiu quando descobri que o inusitado Neyla era, na verdade, Ney; quando soube que a D. Chica não atendia por Doberrô, mas admirava-se do berro que o gato deu; e quando me contaram que o domingo não proporcionava árvores espetaculares e sim, num tremendo desrespeito, pedia um cachimbo às crianças. A partir daí, cinema virou cinema, quarto virou quarto, trânsito virou um monte de estranhos. No dia a dia eu era apenas eu. No carnaval também.
A infância é assim, guarda segredos, ideias e ideais. Magia, fadas e herois. Sorrisos, bicos emburrados e porquês. Penso, penso e não consigo encontrar o exato momento em que nos despedimos das fadas. Distração ou pouco caso, o fato é que perdemos as fadas, a magia, a graça. Porque não são as coisas que perdem a graça, nós é que a esquecemos por aí em algum lugar. Na rotina, na correria, na pilha de contas a pagar…
Papai Noel não existe? Bom, ele nunca existiu, mas antes queríamos acreditar. Coelhinho da Páscoa? Apenas cansamos de procurar. Bolhas de sabão? Tínhamos certeza de que um dia a pegaríamos em nossas mãos. Tínhamos disposição para viver nossas vidas e também nossos sonhos. De vez em quando ousávamos e misturávamos tudo: verdade e ficção. Porque, no fundo, não existe tal divisão.
Pois sigo acreditando em um mundo em que o Neyla toma café com a Sra. Doberrô à sombra dos Pés de Cachimbo.