Ninguém salva ninguém.
Podia ser o para-choque de um caminhão, mas é uma conclusão.
Afinal, já tinha tentado a mãe, o pai, o amigo de infância, uma paixão de verão, o Roberto Shinyashiki, o Rex, o Globo Repórter, a doutora que deu um jeito no irmão da Bê. Tinha tentado também a mãe Celina, as cartas, os búzios, a homeopatia, a igreja.
E se nem Jesus salvou, por que os outros salvariam?
Ao seu redor, a brisa estacionou, as flores entraram em coma, o sofá engole, o relógio atrasou, o café amanheceu, o humor anoiteceu, a sala diminuiu, o eco aumentou, a luz está se apagando - ou os olhos é que estão fechando? Tudo incomoda. Os sininhos da varanda que discutem com o vento, o vizinho boêmio que faz jus à boemia, a cólica do bebê que insiste, o tráfego lá fora que não para, a pálpebra que range, tudo roda, roda rápido, rápido e confuso e distante. As pessoas na sala de jantar não calam a boca. Querem saber como foi o dia. Apneico. E ao longe, a pia pinga.
Não, nem a pinga salvaria.
Lá fora o mundo passa de relance. Borrado e assustador. Gosta de esquecer do tempo em que fazia parte disso tudo. Mas estranhamente a rua lá embaixo, que até então evitava, agora o atrai. Não por saudade, por impulso.
A essa altura, só o asfalto o salvaria.
Sentiu-se fraco e procurou o sofá.
A fraqueza, quem diria, foi a única com coragem para salvar.