Entre a vida e a morte
De cara já nascemos com a missão tripla de escrever um livro, ter um filho e plantar uma árvore antes de morrer. A maioria morre sem completar essa trilogia, claro, mas estes não são genuinamente felizes. Pelo menos é o que dizem…
O fato é que nesse intervalinho entre a vida e a morte muita coisa acontece além do filho, da árvore e do livro. O dia a dia está cheio daquelas coisinhas que, involuntariamente e inevitavelmente, acontecem com todo mundo. Todo mundo mesmo! Geralmente constrangedores. Algumas vezes engraçadas. Outras, clichês. São aqueles pequenos contratempos que fogem do nosso controle, sabe? Então. Afinal, quem nunca saiu saiu de casa com o zíper da calça aberto?
E a lista ainda tem tantas outras coisas… Sorrir com verde entre os dentes, por exemplo. E perder dinheiro – sempre muito. Achar dinheiro no chão – sempre pouco. Tomar banho de poça d’água no meio da rua. Correr atrás do ônibus para não perder a hora. Não conseguir pegar e chegar atrasado. Procurar sorvete e achar feijão. Querer colher e pegar garfo. Desejar salgar e acabar adoçando. Ver uma calça no provador da loja e outra no espelho de casa. Morrer de amor. E de sono, de fome, de frio. Morrer de tédio e ler embalagem de catchup. Morrer de rir até imitar um porco. Confundir Chitãozinho com Xororó, De Niro com Pacino, Torraca com Nanini. Chamar o atual de ex. Quase ganhar na MegaSena por dois números. Conhecer alguém que levou a Quina. Entrar no banheiro fedido e levar a fama. Só perceber que esqueceu a carteira na hora de pagar; que o guarda-chuva está quebrado debaixo da chuva; que a meia está furada na loja de sapato. Num dia de ressaca prometer que nunca mais vai beber e, na sexta-feira, adiar para a segunda o começo do regime. Não entender a graça de andar na chuva. Apressar-se e comer cru. Ou queimar a língua. Esclarecer se é pavê ou pacomê. Virar o olho quando alguém faz essa pergunta. Rir escondido daquele programa de humor. Dizer que gosta mesmo de documentário, mas estava trocando de canal e viu um pouco da novela. Bater o dedinho do pé na mesa de centro e perder o dia. Acordar no meio da noite e não lembrar. Beber e não lembrar. Lembrar, mas querer esquecer. Acabar a luz no meio do banho e terminar o papel higiênico fora de casa. Espirrar e não ter papel. Anotar algo importante no guardanapo que foi para o lixo. Achar um número de telefone no bolso e não ter a menor ideia de quem seja. Não encontrar caneta na hora do recado. Escrever na mão, esquecer e lavar logo em seguida. Dar parabéns à grávida que não é grávida, é acima do peso. Esperar sobremesa e receber um figo. Ou melão. Aceitar um doce, por favor, mas receber um bolo de abacaxi. Ou de pêssego.
Isso sim preenche e completa nossa vida.
E ainda pode render um livro: check!