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É uma linda história, ela me contou e vou tentar passar aqui. Quando ele nasceu, ela já tinha quatro anos. Foi o primeiro primo. Ela ainda era filha única na época. Foi, então, também o primeiro irmão. Ela não tem memórias claras, mas as fotos não mentem: foi também a primeira boneca. Cresceram juntos na casa da avó. Nasceu o irmão dela, dessa vez o oficial. Até andar, falar e brincar precisaria de alguns anos, naturalmente. Ótimo, teriam mais tempo para os dois apenas. E assim era. Ele pedia, ela topava e lá ia fazer as lições de casa dele – sempre com a mão esquerda para que sua experiência do primário não entregasse a trapaça no jardim da infância. Ele brincava, ela trabalhava, se olhavam e sorriam. Surgia ali o primeiro gesto de cumplicidade. Diferença de idade nunca foi problema. Os quatro anos que os separavam jamais os distanciaram. Descobriram juntos o computador e, lado-a-lado, acreditavam em seus sonhos para, facilmente, fazer com que esse objeto fosse o centro de controle de uma nave espacial. Juntos, podiam transformavam o sofá da sala em Ventania e Gato-Guerreiro, eles eram She-Ra e He-Man. Ao final do dia, quando ele voltava da escola, ela gostava de assumir seus quatro anos a mais e esperava no portão a chegada do ônibus escolar. Cheia de responsabilidade. Nunca brigaram, não que ela se lembre. Ele, lembrando ou não, jamais diria, seu espírito apaziguador não permitiria. E assim foi. Na adolescência, quando a vida invariavelmente nos obriga a ter vida própria e independente, viveram intensamente cada um na sua, mas sempre por perto. Os 20 anos estavam logo ali e o mesmo computador que descobriram lado-a-lado os aproximava diariamente em conversas e risadas on-line. Cantaram, beberam, dançaram e bailaram. Juntos. Os quatro anos de diferença jamais fizeram dela a mais experiente. Ao contrário, as experiências eram compartilhadas entre si com toques, elogios e broncas mútuas. Ele foi o primeiro primo, o primeiro irmão, a primeira boneca e o primeiro a mostrar o que é ter cumplicidade e amizade. Foi também o primeiro a partir. O resto são lembranças. Essa noite sonhei com você. Que bom, como sempre faz questão de estar logo ali, de um jeito ou de outro.